O ℇstuℙro da Versão
É outono. De algum modo estou com 13 anos. Meu nome é Eddie. Estou contando para o meu amigo que vai dar tudo certo. Decidimos fugir porque nossos pais virão nos buscar. Isso fará com que desta vez eles nos queiram, eles irão nos amar então... Primeiro fico preocupado em sujar meus sapatos e minhas meias. Visto cinza. Somos pequenos, mas suficientemente grandes para fugir. Decidimos fugir porque as pessoas das nossas casas estão mortas e nós estamos mortos. Talvez exista alguém no mundo que nos queiram, que cuide de nós. Em algum outro lugar alguma coisa vai mudar tudo. Queremos ir aonde nunca fomos...
Andamos pela estrada poeirenta. Ele corre em minha
volta e a minha frente, às vezes no mato, ele não vai se perder. Então
caminhamos pelo pomar e atravessamos uma ponte. Agora, meus sapatos estão
sujos. Andamos, andamos e há muitas árvores, mas eu sei que ainda não estamos
na montanha. Há um riacho e eu tento apanhar água com as mãos e chamo Yuri para poder beber também. De repente não consigo mais encontrá-lo, olho para
todos os lados e chamo por ele. Ele não vem. Ele é tão pequeno, é só um menino, precisa de mim. Em pouco tempo estou perdido e aterrorizado.
Ainda é dia. Avisto
um rapaz adiante. Ele aparenta ter uns 16 anos. Ele vem em minha direção e eu o reconheço. Penso que é ele quem vai mudar tudo, agora vai acontecer, vou ficar bem. Corro até ele e
depois recuo, porque ele está carregando uma ave morta. Ele tem uma espingarda, mas é
da ave que tenho medo. Ele fala comigo e se lembra que meu nome é Eddie. Eu
pergunto se ele teria visto meu amigo, que se perdeu.
Ele põe a espingarda no
ombro do lado em que carregava a ave. Ele me pega pela mão (minha mão... minha mão é aceitável agora, minha mão é
boa, não é feia) eu deixo que ele a pegue.
Ele me diz que
pensa saber onde Yuri está. Decido ir com ele. Ele atravessa o mato, há umas
construções velhas, lembro-me delas e não estou mais perdido. Ele diz que Yuri pode estar ali. Nesse momento (de alguma maneira) estou decidindo o que vai
acontecer. O rapaz me segura pela mão e diz que eu não deveria entrar lá
sozinho. Ele empurra a porta com força e
a gente entra. Eu não consigo ver nada, ele
fechou a porta. Por favor, abre (mas eu não quero que ele abra) ele não abre. Só há fendas entre as tábuas do barracão por onde entra uma luz. Eu
lhe digo que quero sair, digo que Yuri não está ali, Yuri vai ficar
preocupado se eu não o encontrar. Preciso ir agora (mas eu não quero ir), ele não me deixa
sair...
Agora estou no
chão, no chão sujo. Ele está em cima de mim. Ele respira pesado, pesado em
cima de mim. Há uma coisa que eu
não conhecia... um lugar secreto entre minhas pernas. Nada em mim tinha sido
aceitável até agora, mas agora devo descobrir que essa parte de mim é desejada por alguém. Eu choro, eu grito, ele é muito grande, me machuca muito. Mas eu quis que isso
acontecesse, eu escolhi deixar que isto acontecesse porque devia existir alguma
coisa boa em mim.
Estou chorando. Ele
me diz pra parar e eu paro. Sinto sangue em mim, não sei se é meu ou da
ave... Ele diz pra que eu não conte nunca a ninguém. Deixo que ele me diga
isso porque sabia que não deveria ter deixado pessoa alguma me tocar. Ele diz
o que vai fazer comigo se um dia eu contar para alguém. Fico quieto,
estou tentando desaparecer, porém imóvel... Mesmo depois de ter dito que jamais iria contar para alguém faço com que ele repita tudo de novo. Então ele me segura no
chão e pega a ave morta e põe parte dela dentro de mim e depois a coloca
dentro da minha boca. Começo a sufocar,
sinto as penas dentro da minha boca, sinto o sangue na minha garganta, e por hora
isto é tudo o que eu preciso lembrar. Por anos eu bloqueei deliberadamente e por
completo o que eu deixei que acontecesse. Só o que precisava lembrar é do meu
medo de aves...
Então durante anos meu corpo passou a carregar esta tensão, uma tensão completa, constante, como se eu tivesse sempre em busca de Yuri. Neste modo interrompia todas
as sensações e todos os sentimentos, podia sumir e não sentir absolutamente
nada. Meu corpo desenvolveu uma capacidade enorme para resistir. Reforcei a
capacidade de resistir pela minha própria sobrevivência, porque eu sabia que não poderia jamais compartilhar isto com alguém. Desenvolvi uma
visão deficiente e usei óculos – como se eu não quisesse ver outras pessoas
perto de mim. Se eu pudesse ver claramente as pessoas eu veria que não fui valorizado e que eu não era importante. Me escondi por trás das lentes, criei
uma forte resistência até me acostumar com as lentes de contato que uso agora,
pois não queria desistir da minha proteção. Minha respiração ficou curta, minha cabeça pendeu para frente,
mantinha meu rosto inclinado pra baixo o tempo todo; assim eu não
poderia me mostrar, não podia nem ser
visto, nem ter que ver outras pessoas. Desenvolvi uma
tensão constante no estômago, minha garganta sempre tensa, apertada, raramente
falava, sempre com medo de engasgar, uma profunda vergonha do meu corpo e de mim
mesmo, sentia-me geralmente paralisado e congelado, não me mexia, não fazia
qualquer ruído... A única coisa realmente libertadora que me parecia ser natural era a sensação de que
minhas mãos eram graciosas e que podia fazer coisas boas com elas, além de uma crença
recente, cada vez mais presente, de que meu corpo é belo.
Hoje, o único ato
completamente natural para mim é o sexual. Somente no ato sexual é que meu
corpo fica livre de todos os bloqueios, que minha
respiração torna-se completa e profunda. Somente então sinto-me completamente
presente e desinibido. Não me seguro de nenhuma parte de mim. Estou livre, desimpedido.
É somente durante o ato sexual que todo meu ser fica carregado, que a energia flui através
de mim e que me sinto plenamente vivo, desejado.
Faz sentido ser
natural assim, porque naquele momento escolhi descobrir o que era aceitável em mim, o que era desejado e o que eu possuía; quando decidi ser
penetrado aos 13 anos. Escolhi ser assim ainda muito jovem porque eu necessitava ser especial, necessitava ser amado...
fotografie: Dara Scully
Ultra Hedonistics