Quem somos

Sphincterland, Brazil
Ultra Hedonistics não fogem mesmos dos tipos mais impossíveis de abraço. Cada pessoa possui sua própria beleza secreta. Ultra Hedonistics tornou sua inspiração revelar suas graças; investigação imagética para os reinos estranhos dos desejos e imaginação erótica/social/obsessiva. Orgia cultural com carne. Pele. Chip. Vivemos ao agora, sphincter filosofia, o abjeto torna-se sublime. Reavaliamos a morte não como horror estéril, mas como ressurreição estética. Ocupamos a idéia do prazer e da beleza como os inevitáveis condenados a murchar, a vir/desaparecer, assim nos alinhamnos a arte, que canta sua saga em todas as coisas passageiras e efêmeras. Ultra Hedonistics não é moda-orientado, aqui deslizamos por todos orifícios.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013



O ℇstuℙro da Versão

É outono. De algum modo estou com 13 anos. Meu nome é Eddie. Estou contando para o meu amigo que vai dar tudo certo. Decidimos fugir porque nossos pais virão nos buscar. Isso fará com que desta vez eles nos queiram, eles irão nos amar então... Primeiro fico preocupado em sujar meus sapatos e minhas meias. Visto cinza. Somos pequenos, mas suficientemente grandes para fugir. Decidimos fugir porque as pessoas das nossas casas estão mortas e nós estamos mortos. Talvez exista alguém no mundo que nos queiram, que cuide de nós. Em algum outro lugar alguma coisa vai mudar tudo. Queremos ir aonde nunca fomos...
Andamos pela estrada poeirenta. Ele corre em minha volta e a minha frente, às vezes no mato, ele não vai se perder. Então caminhamos pelo pomar e atravessamos uma ponte. Agora, meus sapatos estão sujos. Andamos, andamos e há muitas árvores, mas eu sei que ainda não estamos na montanha. Há um riacho e eu tento apanhar água com as mãos e chamo Yuri para poder beber também. De repente não consigo mais encontrá-lo, olho para todos os lados e chamo por ele. Ele não vem. Ele é tão pequeno, é só um menino, precisa de mim. Em pouco tempo estou perdido e aterrorizado.
Ainda é dia. Avisto um rapaz adiante. Ele aparenta ter uns 16 anos. Ele vem em minha direção e eu o reconheço. Penso que é ele quem vai mudar tudo, agora vai acontecer, vou ficar bem. Corro até ele e depois recuo, porque ele está carregando uma ave morta. Ele tem uma espingarda, mas é da ave que tenho medo. Ele fala comigo e se lembra que meu nome é Eddie. Eu pergunto se ele teria visto meu amigo, que se perdeu.
Ele põe a espingarda no ombro do lado em que carregava a ave. Ele me pega pela mão (minha mão... minha mão é aceitável agora, minha mão é boa, não é feia) eu deixo que ele a pegue.
Ele me diz que pensa saber onde Yuri está. Decido ir com ele. Ele atravessa o mato, há umas construções velhas, lembro-me delas e não estou mais perdido. Ele diz que Yuri pode estar ali. Nesse momento (de alguma maneira) estou decidindo o que vai acontecer. O rapaz me segura pela mão e diz que eu não deveria entrar lá sozinho. Ele empurra a porta com força e a gente entra. Eu não consigo ver nada,  ele fechou a porta. Por favor, abre (mas eu não quero que ele abra) ele não abre. Só há fendas entre as tábuas do barracão por onde entra uma luz. Eu lhe digo que quero sair, digo que Yuri não está ali, Yuri vai ficar preocupado se eu não o encontrar. Preciso ir agora (mas eu não quero ir), ele não me deixa sair...
Agora estou no chão, no chão sujo. Ele está em cima de mim. Ele respira pesado, pesado em cima de mim. Há uma coisa que eu não conhecia... um lugar secreto entre minhas pernas. Nada em mim tinha sido aceitável até agora, mas agora devo descobrir que essa parte de mim é desejada por alguém. Eu choro, eu grito, ele é muito grande, me machuca muito. Mas eu quis que isso acontecesse, eu escolhi deixar que isto acontecesse porque devia existir alguma coisa boa em mim.
Estou chorando. Ele me diz pra parar e eu paro. Sinto sangue em mim, não sei se é meu ou da ave... Ele diz pra que eu não conte nunca a ninguém. Deixo que ele me diga isso porque sabia que não deveria ter deixado pessoa alguma me tocar. Ele diz o que vai fazer comigo se um dia eu contar para alguém. Fico quieto, estou tentando desaparecer, porém imóvel... Mesmo depois de ter dito que jamais iria contar para alguém faço com que ele repita tudo de novo. Então ele me segura no chão e pega a ave morta e põe parte dela dentro de mim e depois a coloca dentro da  minha boca. Começo a sufocar, sinto as penas dentro da minha boca, sinto o sangue na minha garganta, e por hora isto é tudo o que eu preciso lembrar. Por anos eu bloqueei deliberadamente e por completo o que eu deixei que acontecesse. Só o que precisava lembrar é do meu medo de aves...

Então durante anos meu corpo passou a carregar esta tensão, uma tensão completa, constante, como se eu tivesse sempre em busca de Yuri. Neste modo interrompia todas as sensações e todos os sentimentos, podia sumir e não sentir absolutamente nada. Meu corpo desenvolveu uma capacidade enorme para resistir. Reforcei a capacidade de resistir pela minha própria sobrevivência, porque eu sabia que não poderia jamais compartilhar isto com alguém. Desenvolvi uma visão deficiente e usei óculos – como se eu não quisesse ver outras pessoas perto de mim. Se eu pudesse ver claramente as pessoas eu veria que não fui valorizado e que eu não era importante. Me escondi por trás das lentes, criei uma forte resistência até me acostumar com as lentes de contato que uso agora, pois não queria desistir da minha proteção. Minha respiração ficou curta, minha cabeça pendeu para frente, mantinha meu rosto inclinado pra baixo o tempo todo; assim eu não poderia me mostrar, não podia  nem ser visto, nem ter que ver outras pessoas. Desenvolvi uma tensão constante no estômago, minha garganta sempre tensa, apertada, raramente falava, sempre com medo de engasgar, uma profunda vergonha do meu corpo e de mim mesmo, sentia-me geralmente paralisado e congelado, não me mexia, não fazia qualquer ruído... A única coisa realmente libertadora que me parecia ser natural era a sensação de que minhas mãos eram graciosas e que podia fazer coisas boas com elas, além de uma crença recente, cada vez mais presente, de que meu corpo é belo.
Hoje, o único ato completamente natural para mim é o sexual. Somente no ato sexual é que meu corpo fica livre de todos os bloqueios, que minha respiração torna-se completa e profunda. Somente então sinto-me completamente presente e desinibido. Não me seguro de nenhuma parte de mim. Estou livre, desimpedido. É somente durante o ato sexual que todo meu ser fica carregado, que a energia flui através de mim e que me sinto plenamente vivo, desejado. 
Faz sentido ser natural assim, porque naquele momento escolhi descobrir o que era aceitável em mim, o que era desejado e o que eu possuía; quando decidi ser penetrado aos 13 anos. Escolhi ser assim ainda muito jovem porque eu necessitava ser especial, necessitava ser amado...



fotografie: Dara Scully
                                                                                                         
                                                                                                             

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